Por Edson Souza / Especial: Serramar Shopping
Ao adquirir, em 1927, as antigas terras conhecidas como
Fazenda dos Franceses, a Lancashire General Investment Company inaugurou uma
nova etapa na história econômica de Caraguatatuba.
Diferentemente de seus predecessores, cujo interesse
estava concentrado na exploração florestal, o grupo inglês identificou no
território um elevado potencial agrícola, compatível com as demandas do mercado
internacional daquele período. O imóvel foi então arrendado a uma de suas
subsidiárias no Brasil, a Companhia Brasileira de Frutas de Caraguatatuba,
responsável pela implantação e gestão do empreendimento agrícola.
Geograficamente, a fazenda ocupava uma extensa área
delimitada pelos rios Juqueriquerê, Pirassununga e Camburu, além da Serra do
Mar, formando um espaço privilegiado do ponto de vista ambiental. O clima
úmido, o solo fértil e a abundância de recursos hídricos criaram condições
ideais para o cultivo em larga escala, especialmente de banana e de frutas
cítricas, com destaque para o grapefruit, variedade então muito valorizada no
mercado europeu.
Os novos administradores realizaram investimentos
significativos em infraestrutura, transformando a fazenda em um complexo
agrícola moderno e altamente eficiente para os padrões da época.
O empreendimento contava com ferrovia interna, pequeno
porto, barcaças para transporte da produção, além de moradias destinadas a
trabalhadores, gerentes e diretores, configurando um verdadeiro núcleo
produtivo autossuficiente. Essa estrutura permitia o escoamento contínuo da
produção e a integração direta com as rotas marítimas internacionais.
A escala da produção era expressiva. Em quase quatro mil
hectares, a colheita de banana e grapefruit alcançava volume suficiente para
abastecer os navios da Blue Star Line, empresa de navegação ligada ao próprio
grupo Lancashire.
No início da década de 1930, estimava-se que cerca de um
milhão de bananeiras já estivessem plantadas na fazenda, número que, em poucos
anos, chegaria a aproximadamente quatro milhões, consolidando o empreendimento
como um dos mais relevantes do litoral norte paulista.
A dimensão social dessa atividade também marcou
profundamente a história local. Trabalhadores e suas famílias passaram a viver
e a se estabelecer na região, criando laços que se perpetuaram por gerações. Um
desses testemunhos é o de Jacinta Maria de Jesus Santos, nascida em Ubatuba em
1º de outubro de 1920, que se mudou para Caraguatatuba em meados de 1937,
acompanhando os pais, empregados da Fazenda dos Ingleses.
Em suas memórias, ela recorda o funcionamento da logística
de exportação: os frutos colhidos eram transportados até a foz do rio
Juqueriquerê, embarcados em barcaças e, posteriormente, carregados nos navios
fundeados no canal da Ilha de São Sebastião, seguindo então para a Inglaterra,
principal destino da produção.
Esse período de prosperidade, contudo, foi profundamente
impactado pela Segunda Guerra Mundial (1939–1945). O Reino Unido, maior
importador das frutas produzidas pela fazenda, tornou-se protagonista direto do
conflito, e seus efeitos rapidamente se refletiram no Brasil. O litoral norte
de São Paulo passou a integrar uma área estratégica para a defesa do Atlântico
Sul, com intensa atuação da Marinha brasileira no canal da Ilha de São
Sebastião, diante da ameaça de submarinos inimigos.
Relatos da época mencionam rumores sobre a presença de um
espião alemão em Ilhabela, que estaria transmitindo informações sobre a
movimentação de navios aliados. Esses temores se intensificaram em 1943, quando
o submarino alemão U-513, comandado por Friedrich Guggenberger, foi avistado
pela Marinha e pela Força Aérea Brasileira nas proximidades da costa paulista.
No mesmo ano, o cargueiro inglês “Elihu Benjamin
Washburne”, que havia partido do porto de Santos com destino aos Estados
Unidos, foi torpedeado e afundado próximo ao arquipélago dos Alcatrazes. Meses
depois, o navio brasileiro “Campos” teve destino semelhante, ao ser atacado
pelo submarino U-170, resultando na morte de 52 pessoas. Esses episódios
evidenciam como o conflito mundial alcançou diretamente a região.
Encerrada a guerra, as atividades agrícolas da Fazenda
dos Ingleses foram retomadas, porém sem a mesma intensidade do período
anterior. A economia britânica, fortemente abalada pelo conflito, reduziu a
demanda por produtos agrícolas brasileiros, afetando a sustentabilidade do
empreendimento. Ainda assim, a fazenda manteve suas operações durante as
décadas seguintes, enquanto Caraguatatuba passava por importantes
transformações.
Em 1947, o município foi oficialmente reconhecido como Estância
Balneária, inaugurando uma nova vocação econômica voltada ao turismo. Nas
décadas de 1950 e 1960, entretanto, a produção agrícola da fazenda passou a
enfrentar novos desafios, como o avanço de pragas que comprometeram
significativamente os cultivos.
O desfecho definitivo desse ciclo histórico ocorreu em 18
de março de 1967. Em meio a chuvas intensas que atingiram o litoral norte
paulista, uma gigantesca massa de solo da Serra do Mar deslizou sobre
Caraguatatuba, provocando o maior desastre natural da história da região. A
avalanche de lama e detritos destruiu áreas inteiras, arrastando tudo o que
encontrava pela frente e decretando, de forma trágica e irreversível, o fim da Fazenda
dos Ingleses.
A trajetória desse empreendimento sintetiza um capítulo
fundamental da história de Caraguatatuba, marcado pela presença do capital
estrangeiro, pela modernização agrícola, pela integração ao comércio
internacional e pelos impactos de acontecimentos globais e naturais sobre a
dinâmica local.
Por Edson Souza / Especial: Serramar Shopping





















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